sábado, 9 de maio de 2015

Começando...

Uma vez eu li, nas redes sociais, a seguinte frase: "Quando um homem morre é como se uma biblioteca inteira se incendiasse." Eu não me lembro de quem é, melhor assim, possivelmente os créditos estavam errados, porque várias vezes o Karl Marx, o Renato Russo e o Caio Fernando Abreu disseram uma mesma frase, que era na verdade da Clarice Lispector...
Mas direitos autorais violados à parte, essa frase ficou na minha cabeça por muito tempo, me fazendo pensar em tudo aquilo que faz parte de nossas lembranças, pensamento, as ideias geniais, as críticas impiedosas e afins, tudo o que vai morrer com a gente, ou não. Pelo menos pra mim, isso tudo gera um misto de orgulho, pela posse dessa riquíssima biblioteca (e todo mundo tem a sua!), talvez essas informações guardadas na cachola sejam a nossa única e legítima propriedade, mas também uma certa tristeza pela inutilidade e efemeridade das mesmas, pois em qualquer tradução do que se passa em nossas sinapses sempre vai se perder alguma coisa, seja pelas lentes da câmera, nas pinceladas na tela, ou nas letras no papel. Sabe aquela linda tarde no litoral? Com o cheiro do mar, o som das ondas nas pedras, a textura da areia... Pois é, nem se fosse pra agradar o seu grande amor, depois de uma briga, pra pelo menos garantir um sexo de reconciliação, você não conseguiria traduzir integralmente essas percepções para emprestá-las... Nessa hora, tudo isso, não serviria pra nada.
Eu penso nas lembranças e  percepções como um grande tesouro trancado num cofre quase inacessível, que logo vai se perder pra sempre.
Mas então é isso, e vamos fazer o quê? Chorar? Não! Vamos criar!
Como eu coloquei antes, esse tesouro está num cofre QUASE inacessível, e quem sabe por um furo estreito, consigamos derreter esses lingotes de ouro intangível, depois drenando essa essência para outras formas, sem perder o valor, porque ouro é sempre ouro, criaremos moedas valiosíssimas, entendendo assim que todas as informações que nos compõem como ser só ganham valor com o nosso potencial de criação.
Viajar, ler, refletir, aprender, experimentar e lembrar só servem se usarmos tudo isso de maneira inteligente em nossos pequenos atos de criação cotidianos, por exemplo na resolução de um problema no trabalho, ou em como explicar gentilmente para sua amiga que ela não é feia e gorda, mas que o cara que ela está afim não reparou no decote dela porque é gay...
Indo um pouco além, quando se trata de encontrar as referências (memórias) essenciais no  ato da criação artística e arquitetônica, em minha atrapalhada vida acadêmica, pude perceber que muitos artistas e pensadores se detiveram em limitar esse processo à ideia de uma tradução simultânea, ou um clone, do que há de intangível, em nós e no mundo, para as telas, esculturas, fotografias, monumentos e tal, numa busca esquizofrênica das "verdades essenciais" da arte. Talvez uma visão menos cartesiana e determinista possa tornar o ato da criação mais livre e menos doloroso, onde qualquer essência poderá nunca ser refletida em sua totalidade, mas pode ser usada como um guia sutil e poderoso para criações que enriquecerão o tesouro de memórias e percepções de muita gente, de maneira prazerosa e inspiradora, quem sabe criando assim uma espiral ascendente, positiva e colorida.

Traduzindo, não tentem copiar coisas incríveis, criem coisas fantásticas com referenciais incríveis, vai ser mais fácil pra quem cria e mais inspirador pra quem vê.

Desde de criança, quando rabiscava com giz no chão da área de serviço da casa de  meus pais, sempre via que os meus melhores desenhos eram aqueles em que eu não tentava copiar o que eu via, mas os que eu inventava à medida que o giz tocava o chão, misturando uma menina, um carro, uma ave, e armário, todos soltos, numa composição despreocupada e livre.



As coisas daqui, que são as coisas de mim e um pouco das coisas de lá...

 Ah! As coisas... É delas que eu quero falar aqui, tão genericamente quanto o termo "coisas" possa sugerir, de tudo aquilo que eu gosto e um pouco do que me dá desgosto também. Para não parecer assim tão flutuante e impreciso, vou dar pistas desse quebra-cabeças que me monta, e as peças são: Arte, arquitetura, moda, literatura, história, educação, vaidade, reflexão e um pouco de filosofia talvez, não a clássica nem a de botequim, mas aquela mais trivial, não menos profunda, que surge quando encaramos a pia cheia de louças pra lavar, no caminho do trabalho ou numa noite de insônia.
 Todas as coisas faladas, escritas, fotografadas e abandonadas aqui tem um caráter confessional, certamente não o que se veria num confessionário de reality show, algo mais próximo daqueles que vemos nas igrejas, só que sem padre ou pastor, no lugar destes um espelho, para o qual não se faz confissões de culpa nem se espera por punições, mas declara-se a verdade, ou o mais próximo dela que houver, e o que vier disso não importa, serão só os malabarismos do destino.
 As coisas daqui são só a prova de que há muito que merece ser mostrado de mim, de qualquer um, de todos nós, pois o fundamental é nesse grito escrito, provar que nenhuma vida deve passar em brancas nuvens.