Atenção! O texto abaixo contem ironia, linguagem simbólica e referencias históricas, não recomendado a pessoas sem capacidade de contextualização e interpretação textual, grato pela compreensão.
Comum, como pão na chapa e café preto, como bolacha Maria esquecida no armário.
Comum, como pão na chapa e café preto, como bolacha Maria esquecida no armário.
Acredito haver um
grande trunfo próprio ao ser comum (comum enquanto comunal, semelhante, equivalente
a muitos outros...), não sei se isso vale para todo mundo, até porque nem tudo
tem o mesmo valor no mundo todo, o fato é que experimento há muito tempo esta
recorrente impressão e agora, depois de muita reflexão, vejo esta característica
como uma considerável potencia. O ser comum parece prescindir do peso atlântico
de ser extraordinário, não há sobre ele muitas expectativas ou cobranças, logo
poucas frustrações, alem disso goza de certa liberdade ao criar qualquer coisa
que queira, sem a amarração de excessivos olhares e interesses externos,
projetando ao seu redor o cenário ideal para usar o efeito surpresa contra
pré-julgamentos e pré-conceitos, nesta estratégia desarma facilmente os mais
raivosos dedos indicadores.
O comum parece revestido de uma aura de equilíbrio,
desta feita, por não aparentar ser de todo santo ou facínora permite que todos
os demais com ele se identifiquem, ao menos um pouco, com alguma afeição
discreta, sem ojeriza ou adoração. Parelho a tantos outros, em tantos sentidos,
talvez não caiba ao comum uma retenção sob hierarquias rígidas, pois à medida
que a coroa não se firma sobre sua cabeça tampouco os grilhões lhe prendem os
pés. Levando em consideração que a nobreza é em si mesma uma distinção o comum
não pode usa-la para subjugar outros indivíduos, do mesmo modo não permite que
o subjuguem, afinal como assemelhado a tantos pelo mundo não há justificativa
para sua inferioridade, em suma tanto a servidão quanto a nobreza sustentam-se
sobre noções tortas de segregação e hierarquias supostamente incontestáveis,ambas exóticas aos comuns. É valida
a ilustração, a fim de reforço, onde se vê que rei sem coroa é cidadão sujeito à lei, onde
senhor de escravos sem cativos é mero criminoso, as distinções que mascaram
estes personagens subjazem a sutis convenções sociais, aceitas coletivamente, em geral, de
maneira inconsciente e simplória.
Ainda que pareça fácil e tediosa a vida do ser comum, quando revistada mais minuciosamente, se revela uma aventura diária, onde tanto luta quanto se esquiva, seja dos banais ou dos soberbos, mesmo saltando armadilhas deixa-se fluir pelo passeio, seguindo com palavras assertivas e sorrisos comedidos, sem se prender ou sair em disparada, sobe sem estafa a uma colina segura, avistando do alto os extremados que se engalfinham nos mangues e várzeas. Passada a batalha, o comum é quem socorre os feridos, consola os enlutados, de ambos os lados sem olhar patentes, insígnias ou penachos, sereno sob o manto do silencio vive a glória do herói anônimo, do construtor operativo ,que virtuoso em sua simplicidade, promove a paz sem jamais sujar-se na guerra ignominiosa.